Você é um otário

Herácliton Caleb
2 min readOct 15, 2019

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Quando, prestes do aniversário de vinte e um anos, eu resolvo mexer nas minhas tralhas, encontro, lá no fundo de uma caixinha, uma cartinha do dia de namorados de 1998.

Eu estava na segunda série. Tinha oito anos. Me lembro que no dia 12 de junho, ao voltar do recreio, crianças riem de forma suspeita pra mim. O que eu não sabia era que minha mochila havia sido arrombada por uma meliante mirim com a mais nobre intenção de amor.

Eu percebo às risadas, mas ainda não entendo, até que o Filipe, meu amigo do futebol, aponta para minha mochila. Abro rápido e encontro várias cartas coloridas com o meu nome e, como centro das ações, tal qual alguém quando faz aniversário e não sabe o que fazer, faço a primeira coisa que me vem à cabeça. Pego todas as cartas da mochila e jogo no lixo ao som de gritos entusiasmados dos meninos e das meninas.

Depois, eu abaixo a cabeça com vergonha e torço para dar a hora da saída. A professora chega e o Filipe, hoje blogueiro de fofoca, resolve contar o que acabou de acontecer. A professora diz para não ter vergonha, mas é tão eficaz quanto pedir calma para alguém nervoso. Ela pergunta quem enviou, as crianças se olham, mas ninguém diz.

Eu olho para trás e o Filipe continua rindo, no fundo mais atrás, Bruna está com a cabeça baixa chorando. Todos entendem, menos eu. Continuo com a cabeça baixa e saio correndo assim que o sinal bate. No caminho não quero papo. Quando chego em casa, tiro da mochila meu caderno e descubro uma cartinha solitária, no fundo, colorida e pueril como todas as cartas de amor, ela diz: Apesar de ser muito pequena, eu gosto muito de você. Isso é só para você. E está assinada.

Descubro a maior vergonha de uma criança: ouvir a canção “Tá namorando, tá namorando”. Nos outros dias, evito olhar para Bruna. Ela Também está com vergonha. O que torna fácil a convivência. Nos evitamos. Desde então, estamos evitando um ao outro. Hoje eu recebi uma solicitação de amizade de uma mulher chamada Bruna, lembro vagamente do rosto. Diz que estudou comigo e quer falar algo para mim. Por intuição, eu pego a carta e confiro. O nome bate. É a mesma Bruna. Respondo o recado perguntando o que ela quer dizer.

Você é um otário, ela diz. Eu só queria te dizer isso. É eu fui.

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