Um projeto novo, por favor

Herácliton Caleb
2 min readOct 15, 2019

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Fui a um Chaveiro. Minha chave quebrou quando eu tentei abrir a porta com pressa por estar apertado, então subi à rua, virei à direita, andei no sol forte e cheguei ao Tavares Chaveiro. Eu sempre passava na frente e via o senhor com aparência de cansado, solitário, até triste. Hoje lembrei do lugar e entrei. Um lugar apertado entre duas grandes lojas de carro. Um cubículo.

Lá o próprio dono me recebeu. Baixo e com cabelos ralos — a antessala da calvície. Não se parecia ao desenho tosco dele mesmo que indicava para todos na rua se tratar de um chaveiro. Estava simpático. Tinha um dente de ouro e não se intimidava em sorrir. Era um lugar perdido no tempo; anacrônico, porém ainda necessário.

“Quero copiar essa chave”, eu disse. “E vai cometer algum crime com ela?”, ele respondeu rindo, como se falasse uma piada pela centésima vez crente de sua eficácia. Eu ri. De fato ela funciona. Devolvi uma pergunta: “Muita gente vem aqui com más intenções?”. “Eu não sei, sempre tem uns benditos, mas eu não sei”. “E se soubesse, o que faria?”. Ele pensou por um tempo e mexeu os ombros para frente, entrou e foi copiar a chave.

Fiquei analisando o lugar. Muitas chaves penduradas, como se as pessoas se esquecessem como entrar em suas casas. Como se usassem outros modos. Reparei que o lugar era todo arrumado, tudo no lugar, como se ele tivesse lido livros orientais de arrumação. Havia um pequeno jardim de Bonsais no chão e samambaias na parede.

Quando retornou com a chave me viu olhando as plantinhas e disse: “Bonsai, o nome. Elas não crescem. Ficam assim para sempre”. Eu gostei, quase disse. Fiquei olhando, ao que ele completou: “É o meu novo projeto.”. Consenti com a cabeça. Depois perguntei: Faz tempo que o senhor cuida delas?”. “Desde que minha cachorra morreu, há alguns meses”. “São bonitas”, eu disse de forma indulgente. “Você tem que ver a minha casa. Hoje mesmo minha roseira floresceu. Eu estou animado. Cuido desse jardim há pouco tempo e está bem arrumadinho. Todo dia quando saio daqui eu cuido um pouco dele”. Sorri-lhe um sorriso verdadeiro. “Sabe, filho, foi difícil quando a Francesa morreu. Eu estava bem para baixo, cuidar dela era a minha vida. Mas agora tenho uma nova utilidade. As plantas precisam de mim”.

Eu sorri e olhei para a chave para disfarçar. Agradeci. Ele ainda perguntou: “Quer mais alguma coisa?”. Eu disse não, mas queria dizer “Um projeto novo, por favor”.

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