Coincidências

Herácliton Caleb
2 min readOct 15, 2019

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“Se estiver vivo, meu filho deve estar parecido com você”, me disse à queima-roupa entre gritos de “peixe fresco”. Foi numa feira que há anos ocupa a rua Marcelina às sextas-feiras. Eu soltei a maçã e olhei para ele: vi um senhor com um semblante amistoso e olhos bem escuros; parecia alguém conhecido.

Não sabia o que dizer, perguntei o nome do garoto. “Filipe”, ele disse. “E o que aconteceu?”, eu quis saber. “Ele desapareceu quando tinha 17 anos”. “E quando foi?”. “Em 2007”.

2007 foi um ano emblemático na minha vida. O ano em que me apaixonei perdidamente e larguei o meu primeiro emprego para poder respirar. Enquanto eu pensava nisso, ele me disse: “Ele tinha um cabelo grande igual ao seu. Tinha opinião. Todo mundo falava para ele cortar… Admirava isso nele”.

Eu sorri e, quando um silêncio se fez, ele gritou para a mulher na banca ao lado: “Olga, vem ver aqui”. Quando ela se aproximou e se deparou comigo, ela soltou uma interjeição e colocou a mãe no peito. Eu olhei para ela um pouco sem graça, como quando estamos sendo inspecionados, e ela olhou para o marido e disse: “Como é parecido”.

Enquanto eles olhavam para mim, eu abaixava os olhos por vergonha e pensava em todos os garotos em que eu estudei que se pareciam comigo. Não encontrei no banco de dados nenhum Filipe. Na confusão de ser olhado e não saber o que falar, pensei em perguntar se eles ainda tinham esperança de encontrar o garoto, mas, pais e esperança — quando se trata dos filhos — são conjugados por natureza.

No final, Olga me pediu uma foto: para caso eu o veja por aí, ela disse. Quando eu estava saindo, o homem disse: “E não corte esse cabelo”. Eu não vou, eu não vou.

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